sábado, 19 de outubro de 2013

Os muros da vida


Três de Outubro de 2013, comemoramos seus 6 meses de vida com um passeio em família no Olympiapark. Desde que chegamos do hospital não havíamos saído muito com você. Fiquei meio lenta após tantas mudancas na Alemanha, acho que ainda estava me mudando internamente do hospital. Foi um dia delicioso, sorrimos, brincamos, comemos currywurst com cerveja e contemplamos a nova paisagem de outono. 





No único momento que ficamos sozinhas apareceu uma senhora e me disse que deveríamos ter ficado em casa, pois estava muito frio para você. Neste momento cairia bem um rótulo na testa dela: Pitaqueira. Se cada pitaqueira vivesse nossas vidas antes de abrir a boca, os pitacos seriam solicitados e nao bombardeados.  Bem, sorri como quem diz que não nos importamos mais com o frio... 


Neste dia também, além do aniversário da sua Oma Íris, foi comemorada a unificacão da Alemanha, a primeira votacão 11 meses depois da derrubada do Muro de Berlin. A história é longa, de guerra, de luta, de  discriminacão, separacão, unificacão e superacão. No fim do dia assistimos as festas nas ruas de Berlin pela TV, mas isso pouco prendeu minha atencão, eu confesso está um pouco alienada, imersa em nosso mundo...sei que isso mudará com o tempo, mas agora estou respeitando o nosso tempo.




Naquela história de dimensoes incontestáveis, eu viajo para 1933 e me atento a uma simples acão: a dos pais que escreveram uma carta ao ditador, descrevendo as "deficiências" do seu próprio filho.
Foi assim que várias criancas entraram numa lista muito feia criada pelos adultos. Foi assim que um muro de dimensoes muito maiores foi construído anos antes do Muro de Berlin. Os tijolos foram as deficiências não dos filhos, mas dos próprios pais.



Desta carta jamais esquecerei e sonho que pudesse substituí-la pela minha carta:
"Minha filha nasceu com um coracão que tirou muita energia do seu corpo mas pude ver nos seus olhos que sempre desejou correr. Minha filha tem a pele molinha, deliciosa de tocar e sente-se mais viva e alegre quando a acaricio e faco massagens. Minha filha não conseguia comer facilmente, mas sempre queria comer. Minha filha coloca a língua pra fora constantemente, engracada, igual ao seu Tio Guga. Minha filha até semana passada chorava quando ficava de barriga pra baixo, hoje já rola para todos os lados. Minha filha ainda não consegue se sentar sozinha, às vezes seu queixo fica ao lado do prato de feijao, mas ela consegue levantar a cabeca quando quer puxar o cabelo da irmã. Minha filha hoje tem os músculos das pernas fraquinhos, mas a sua cara de alegria quando a sustento em pé me diz o quanto deseja andar logo. Minha filha está  fazendo sua própria história do jeitinho dela. Minha filha Summer, assim como minha filha Skye, acima de tudo, tem na sua genética uma alegria de viver digna de uma existência eterna."

   







Florzinha, hoje em dia essa lista feia nao existe mais, os pais nao escrevem cartas ao ditador, mas infelizmente o silêncio e a ausência de alguns tem o poder dessa carta....deixam uma henranca prematura e injusta aos seus filhos: um mundo só de adultos.

Feliz 6 meses de vida, filhota, que seu presente seja um futuro de vozes que derrubem muros internos em busca de racas limpas, de almas limpas. 
Amo você.
Tenho orgulho de você, minha Florzinha.